A China está de olho no Brasil – mas será que esta crescente parceria BRICS será prejudicial para a Amazônia?

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Por Mônica Piccinini para o Canary 

Nas últimas décadas, o investimento da China na região amazônica do Brasil cresceu e se ampliou significativamente , especialmente em setores como agricultura, mineração, infraestrutura e energia. No entanto, este influxo suscitou preocupações sobre as suas consequências ambientais e sociais. À medida que os debates se intensificam, o delicado equilíbrio entre o desenvolvimento económico e a preservação ecológica permanece incerto.

Este ano marcou o 50º aniversário das relações diplomáticas sino-brasileiras, mas a sua ligação inicial remonta a 1881, com o estabelecimento da primeira missão diplomática.

A relação do Brasil com a China intensificou-se com a formação do BRICS em 2009, uma organização intergovernamental composta por Brasil, China, Rússia, Índia e África do Sul. Além disso, Egito, Etiópia, Irã e Emirados Árabes Unidos também passaram a fazer parte do grupo.

China-Brasil: uma parceria lucrativa

A China é o maior parceiro comercial do Brasil. Em 2023, o comércio bilateral entre as duas nações totalizou US$ 157 bilhões, com as exportações do Brasil para a China atingindo US$ 104 bilhões.

Um estudo publicado pelo Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC) em 2023 destacou o considerável potencial de exportação da região Norte do Brasil para a China, com projeções superiores a US$ 11 bilhões.

Assim como muitas outras colaborações que o Brasil estabeleceu com outras nações, sua parceria com a China parece se destacar como uma das mais lucrativas. Isto deve-se principalmente à extensa população da China e ao seu impulso crucial para a expansão e o progresso industrial para satisfazer as necessidades significativas do seu povo.

Embora os projetos e investimentos chineses no Brasil pareçam benéficos para ambas as partes, surgem preocupações quanto ao seu alinhamento com os padrões de desenvolvimento sustentável, particularmente na região Amazónica.

Há apreensão de que estas iniciativas possam contribuir para a desflorestação generalizada, a degradação e as alterações climáticas, minando o papel da região como sumidouro de carbono. Essa degradação aumenta o risco de surgimento e propagação de doenças zoonóticas , representando uma ameaça substancial à saúde pública tanto para o Brasil quanto para a comunidade global.

João Cumarú, investigador da Plataforma CIPÓ (um instituto de investigação independente sem fins lucrativos) e estudante de mestrado em política e diplomacia chinesa na SIRPA (复旦大学, Fudan University, China), explicou ao Canário :

Existem exemplos notáveis ​​e práticas louváveis ​​no território chinês. No entanto, é essencial realizar uma análise minuciosa para determinar se estas práticas serão replicadas em territórios além das fronteiras da China.

Pecuária

Em 2023, a China importou 2,2 milhões de toneladas de carne do Brasil, totalizando mais de US$ 8,2 bilhões.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de bovinos abatidos no país atingiu 29,8 milhões em 2022, um aumento de 7,5% em relação ao ano anterior. Em 2023, a produção de carne bovina aumentou para 8,91 toneladas em 2023, refletindo um aumento de 11,2% em relação a 2022.

A China é o principal destino das exportações brasileiras de carne bovina, suína e de frango. Há um total de 144 frigoríficos autorizados no Brasil para exportação para a China, sendo a maioria de propriedade da brasileira JBS, maior produtora de carne do mundo. No entanto, a JBS tem sido associada a questões como desmatamento, conflitos e degradação ambiental na floresta amazônica e nas regiões do Cerrado.

João Gonçalves, diretor sênior para o Brasil da Mighty Earth, disse ao Canary:

Através do nosso monitoramento por satélite, ainda encontramos uma destruição desenfreada impulsionada pelas indústrias de carne e soja no Brasil. A gigante brasileira de carne bovina JBS está comprando de fornecedores que estão destruindo a natureza impunemente. Nossa última pesquisa identificou um total de 105 casos de desmatamento vinculados à JBS, abrangendo mais de 185 mil hectares de desmatamento na Amazônia e no Cerrado.

Os planos da JBS de aumentar as exportações de carne bovina para a China significarão mais gado e mais apropriação de terras, com todo o impacto negativo que isso traz para as florestas, para as comunidades indígenas e para a vida selvagem que delas dependem. A JBS tem grandes planos de expansão, incluindo listagem na  Bolsa de Valores de Nova York . O acesso a mais fundos levará a mais destruição da natureza. Instamos a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA a bloquear a proposta de listagem da JBS na  NYSE devido ao seu impacto contínuo e descomunal nas mudanças climáticas e nos preciosos biomas do Brasil.

Em março, Carlos Fávaro, Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), anunciou que mais 38 frigoríficos brasileiros foram aprovados para exportar carne e derivados para a China:

Este é um momento significativo para ambos os lados. A China receberá carnes de alta qualidade a preços competitivos, garantindo produtos agrícolas para sua população, enquanto o Brasil ganha a certeza da criação de empregos, de oportunidades e do crescimento da economia brasileira. É um dia histórico na relação comercial Brasil-China, um dia histórico para a nossa agricultura.

Em 2023, a JBS fez parte de uma delegação enviada pelo presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, à China, com o objetivo de negociar um novo acordo de exportação entre as duas nações.

Lula não parece hesitar em mostrar seu apoio inabalável à JBS e ao crescimento da pecuária no país, independentemente das consequências ambientais, como o desmatamento, as emissões de gases de efeito estufa e a violação dos direitos das comunidades tradicionais e indígenas.

A pecuária contribui para cerca de 80% do desmatamento na região amazônica. Os principais estados para a produção de gado na Amazônia brasileira são Mato Grosso, Pará e Rondônia.

processo de conversão de florestas em pastagens resulta em temperaturas elevadas, padrões de precipitação alterados e na escalada de eventos climáticos extremos. Essas condições perturbam a regulação climática e o ciclo da água, essencial para a produção agrícola no Brasil, resultando em perdas consideráveis.

Dr. Peter Alexander, professor sênior em sistemas alimentares globais e segurança na Universidade de Edimburgo, disse ao Canary :

Devemos consumir menos carne, reduzir o desperdício alimentar, estabelecer um sistema mais eficiente e equitativo e abordar preocupações prementes de saúde humana, como a subnutrição e a obesidade. Como podemos enfrentar estes desafios num sistema que atualmente não consegue promover tais resultados? Além disso, como transformamos este sistema para priorizar estes objetivos? Estas questões perduram, uma vez que estas questões são frequentemente consideradas politicamente arriscadas e potencialmente prejudiciais para o sucesso eleitoral.

Soja

O apetite voraz da China por produtos agrícolas estende-se à soja, que continua a ser o principal importador mundial , sendo o Brasil o maior produtor mundial.

Na safra 2022/2023, o Brasil alcançou mais um marco , estabelecendo um recorde ao colher cerca de 154,6 milhões de toneladas de soja, refletindo um notável aumento de 23% em comparação com a produção do ano anterior de 125,5 milhões de toneladas. Em 2023, as importações chinesas de soja do Brasil atingiram 69,95 milhões de toneladas, um aumento de 29% em relação ao ano anterior.

O Brasil implementou um acordo de moratória da soja, onde as empresas participantes se comprometem a não comprar soja de fazendas onde o cultivo de soja tenha levado ao desmatamento de terras no bioma Amazônia após 22 de julho de 2008. Esta iniciativa visa erradicar o desmatamento do processo de produção de soja.

Apesar das inúmeras promessas da China National Cereals, Oil and Foodstuffs Co (Cofco) para combater o desmatamento e melhorar suas cadeias de abastecimento, uma investigação da Repórter Brasil revelou que, em 2021, a empresa adquiriu soja de regiões desmatadas no estado de Mato Grosso, situadas tanto no Regiões Cerrado e Amazônica, por meio de fornecedores indiretos.

As empresas chinesas expandiram substancialmente a sua presença no Brasil através de fusões e aquisições. Por exemplo, Hunan Dakang, do grupo Shanghai Pengxin, detém uma participação de 57% na Fiagril, uma empresa brasileira especializada no fornecimento de insumos agrícolas, como soja, milho, fertilizantes, e na prestação de apoio técnico aos agricultores.

Questionado sobre o volume de comércio entre o Brasil e a China e a dependência do Brasil daí resultante, Cumarú disse ao Canário :

Atualmente, a China pode ver o Brasil como um mercado significativo e um exportador de commodities. Contudo, as tendências históricas sugerem que não dependerão apenas de um fornecedor para satisfazer as suas necessidades. Há uma tendência para a diversificação das fontes de energia e o avanço das tecnologias para o desenvolvimento e restauração de terras na China. O governo brasileiro deveria monitorar de perto esta tendência.

Além disso, o nosso foco não deve ser apenas nas expectativas de investimento; devemos também aumentar e integrar os ganhos destes investimentos. Um aspecto crucial em que falhamos é a transferência de tecnologia, que poderia potencialmente diminuir a dependência do Brasil da China.

À medida que a produção de soja se expande, torna-se necessário o desenvolvimento de corredores logísticos para facilitar o escoamento dos grãos para os portos, reduzindo assim os custos de frete. Isto motivou numerosos investimentos em infra-estruturas, incluindo projectos rodoviários e ferroviários.

A infraestrutura

Os investimentos chineses na infra-estrutura amazónica concentram-se principalmente na construção de barragens, estradas, portos e sistemas ferroviários. Estas iniciativas visam melhorar as rotas de transporte e reduzir os custos associados à exportação de mercadorias para a China.

A China Communications Construction Company (CCCC) detém uma participação de 80% na construtora brasileira Concremat e participa de diversos projetos na região amazônica.

Os logotipos da CCCC e da Concremat são apresentados no site do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) em conexão com a pavimentação da rodovia BR-319 na Amazônia. Essa rodovia tem 885,9 km de extensão e liga a capital central da Amazônia, Manaus, a Porto Velho, situada no extremo sul da floresta.

A pavimentação da rodovia BR-319 tem o potencial de desencadear desmatamento generalizado, degradação ambiental, declínio da biodiversidade, deslocamento de comunidades indígenas, aumento da disseminação de doenças infecciosas, aumento da mineração e extração ilegal de madeira e escalada do crime organizado.

No ano passado, o governador do Pará, Helder Barbalho, assinou um acordo em Pequim, na China, na presença do vice-presidente da China Communications Construction Company (CCCC), abrindo caminho para a construção da Ferrovia do Pará. Esta ferrovia ligará Marabá ao porto de Vila do Conde, em Barcarena.

Outro projeto significativo é o Ferrogrão (EF-170), um empreendimento ferroviário greenfield de 933 km projetado para ligar Sinop, no estado de Mato Grosso, a Itaituba, no estado do Pará. Essa ferrovia passa por áreas de proteção ambiental e territórios indígenas na região amazônica.

Em 2022, os empreendimentos greenfield caracterizaram predominantemente a entrada de investimentos chineses no Brasil, respondendo por 59% do total de projetos.

A Ferrogrão tem recebido apoio de grandes players do agronegócio, como Cargill, Bunge, Louis Dreyfus e Amaggi, motivados pelo seu objetivo principal de exportar commodities para a China e a Europa com custos reduzidos. No entanto, este projeto levanta preocupações sobre o aumento do desmatamento, degradação e violações ambientais. Ela deverá impactar inúmeras comunidades indígenas, incluindo os povos Kayapó, Mundukuri e Panará, que denunciam a ferrovia como os “trilhos da destruição”.

Minerais preciosos

A Amazônia brasileira é um ponto focal para a extração de matérias-primas como parte das agendas nacionais e estaduais de desenvolvimento econômico. Consequentemente, a região está a testemunhar vários desafios socioeconómicos e ambientais.

O Brasil é uma potência na indústria de mineração global, com capacidade significativa de produção e exportação de minerais brutos e processados. Isto inclui recursos vitais como ferro, ouro, minério de cobre e bauxita – a principal fonte de alumina e alumínio.

Bacarena, localizada no estado do Pará, é um pólo crucial para essas atividades. A região abriga substanciais depósitos de bauxita, concentrados principalmente em três distritos principais: Trombetas, Almeirim e Paragominas-Tiracambú. Isso posiciona o Brasil como um dos maiores detentores mundiais de potencial de bauxita .

Em webinar organizado pelo CEBC em fevereiro, Ricardo Biscassi, chefe de relações externas da mineradora brasileira Vale e diretor do CEBC, revelou :

As exportações totais de minério de ferro do Brasil em 2023 para todos os países foram de 380 milhões de toneladas. Desse total, 64%, ou seja, 242 milhões de toneladas, foram enviadas para a China, mostrando a relevância que a China tem no mercado de minério de ferro, e obviamente no mercado de aço, estes 242 milhões de toneladas que foram exportadas para a China, 76 % veio da Vale.

Em fevereiro, uma delegação chinesa composta por representantes da Zhuhai Sino-Lac Chain Co., Guangdon Nonfengbao e Hohai University visitou o estado do Pará, declarando sua intenção de investir em diversos setores da região, inclusive colaborando em um projeto de biofertilizante com Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra).

Um dos principais atrativos para os investidores chineses no estado do Pará é o município de Bacarena, que faz parte da Zona de Processamento de Exportações (ZPE) do Brasil . Esta zona oferece uma variedade de incentivos, tais como isenções fiscais, tornando-a altamente atrativa para investidores estrangeiros.

Aproximadamente 60% do que é produzido no Pará, segundo maior estado da região amazônica, é exportado para a China. Em 2023, o setor mineral representou 84% das vendas externas do Pará. O ferro responde por 80% dessas exportações, sendo um material indispensável para o mercado de construção civil da China.

Cumarú disse ao Canary:

Há uma questão persistente que permanece sem solução. Embora se entenda que o governo chinês tenha implementado políticas de crédito verde para empresas que operam internacionalmente, tais como directrizes para empreendimentos mineiros no estrangeiro, há incerteza quanto ao nível de cumprimento destas políticas. Parece que não há um compromisso significativo por parte da China. Considerando os volumes substanciais de investimento e comércio da China, isto suscita inegavelmente preocupações.

Em abril, a Câmara de Comércio Exterior do Brasil (Camex) decidiu aumentar em até 25% o imposto de importação de 11 produtos siderúrgicos, com o objetivo de reduzir as importações de aço da China. Esta ação foi tomada em resposta ao influxo substancial de aço chinês que inunda o mercado brasileiro com taxas de desconto.

O lítio representa outro recurso incrivelmente valioso. A China está de olho em uma potencial joint venture ou aquisição da mineradora canadense Sigma, situada no estado de Minas Gerais. O objetivo é aprimorar as operações de produção de baterias da empresa chinesa BYD em Manaus, capital do Amazonas. A BYD começou a construir uma fábrica de automóveis em Camaçari, na Bahia, um investimento de aproximadamente US$ 3 bilhões.

Devemos permanecer conscientes da escassez de água como um desafio global adicional. As projecções indicam que, já em 2030, a procura global de água doce deverá exceder a oferta disponível em 40 a 50%, afectando tanto os sectores industriais castanhos como os verdes. Existe a possibilidade de que a indústria chinesa, actualmente concentrada na Ásia, se desloque para países abundantes em recursos hídricos, como o Brasil, incluindo a região Amazónica.

Energia

A China fez investimentos significativos no setor energético do Brasil. A State Grid Brazil Holding SA, uma empresa estatal chinesa de energia, detém o controle de 24 empresas nacionais de transmissão de energia no Brasil, incluindo aquelas que operam na região amazônica.

A State Grid anunciou planos de investir US$ 3,6 bilhões para atualizar as linhas de transmissão de energia no Brasil, juntamente com US$ 38 bilhões extras no setor energético brasileiro. Eles garantiram uma licitação para construir 1.500 km de linhas nos estados do Maranhão, Tocantins e Goiás, o que inclui a construção de subestações. Além disso, a empresa já gerencia o projeto de transmissão UHVDC de Belo Monte, com 2.500 km de extensão.

Em dezembro de 2023, a State Grid garantiu o maior leilão de transmissão de energia do Brasil, ganhando direitos para construir mais de 4.471 km de novas linhas de transmissão nos estados de Goiás, Maranhão, Minas Gerais, São Paulo e Tocantins.

Outra empresa estatal chinesa, a Three Gorges Corporation, administra 12 usinas hidrelétricas, três das quais estão situadas na região amazônica. Estas incluem Cachoeira Caldeirão, no estado do Amapá, Santo Antonio do Jari, na divisa entre os estados do Pará e Amapá, e a usina hidrelétrica de São Manoel, situada no rio Teles Pires, na divisa com os estados de Mato Grosso e Pará.

Numerosas iniciativas de desenvolvimento de infra-estruturas na região Amazónica suscitaram controvérsia devido ao seu potencial para aumentar a desflorestação, a degradação, a urbanização, o trânsito e os conflitos em áreas remotas de floresta tropical. Esses projetos afetam diretamente as comunidades tradicionais e indígenas, além do meio ambiente.

A hidrelétrica e o reservatório de Belo Monte, localizados ao longo do rio Xingu, na região amazônica do Pará, servem como exemplo do impacto negativo que projetos de infraestrutura de grande escala podem ter em áreas de biodiversidade, incluindo o deslocamento de comunidades, o aumento do desmatamento e o degradação do ecossistema aquático do Rio Xingu.

Propriedade intelectual

A floresta amazónica está emergindo como um mercado-chave para bioprodutos, chamando a atenção tanto a nível nacional como internacional pela sua riqueza de oportunidades na promoção de uma bioeconomia.

Até 2022, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) do Brasil identificou 43.400 patentes de inovações envolvendo a flora amazônica registradas globalmente. A China liderou a contagem com 18.965 pedidos, seguida pelos EUA com 3.778.

O patenteamento de produtos derivados de recursos genéticos amazônicos sem repartição justa dos benefícios com as comunidades locais e sem respeitar seus direitos levanta preocupações significativas. Dada a vasta riqueza de material genético da Amazônia, esta situação poderia potencialmente alimentar o tráfico ilícito de produtos florestais (biopirataria).

Relações China-Brasil: em alerta máximo

Existem inúmeras incertezas em relação às consequências socioambientais de alguns investimentos chineses na região amazônica e no Brasil, bem como sobre como a população local ganhará com a exploração extensiva de recursos naturais e o desenvolvimento de infraestrutura em zonas ambientalmente delicadas como a Amazônia. .

O aumento da procura de mercadorias por parte da China poderá levar a uma exploração desenfreada dos recursos naturais do Brasil e da Amazónia e ao aprofundamento da dependência do país em relação à China.

Cumarú contou ao Canário sobre a dinâmica da política externa chinesa:

Um dos princípios que norteiam a política externa chinesa é a não interferência nos assuntos internos de outras nações. Aderem às regras de envolvimento nos países onde investem, absolvendo-se efectivamente de questões em que possam estar directa ou indirectamente envolvidos.

O apelo por uma abordagem mais proativa por parte do governo chinês só poderá ganhar força se partir do governo brasileiro, liderado pelo presidente e pelos ministérios relevantes.

Em abril, a China e o Brasil firmaram um acordo bilateral que inclui a colaboração em televisão entre a Agência de Notícias Xinhua do China Media Group e a Brasil Communications Company ( EBC ). Em 2019, o Grupo Bandeirantes no Brasil também assinou um acordo com o China Media Group, com foco em produções conjuntas e compartilhamento de conteúdo.

Os ministérios da cultura do Brasil e da China reuniram-se no dia 25 de abril para explorar oportunidades de intercâmbio cultural entre os dois países, abrangendo cinema, publicações, bibliotecas, museus, patrimônio e direitos autorais.

Existem preocupações crescentes sobre potenciais esforços para influenciar, regular e limitar a disseminação de informações no Brasil, uma vez que há dúvidas sobre se a China poderá procurar promover as suas ideologias políticas, económicas e sociais. Tais ações poderiam potencialmente representar riscos tanto para o meio ambiente, incluindo a região amazônica, quanto para os interesses soberanos da população brasileira.

O futuro da Amazônia, do Brasil e da sustentabilidade ambiental global é fortemente influenciado pela relação entre o Brasil e a China. Com o seu poder considerável, estes dois intervenientes principais têm o potencial para enfrentar a destruição ambiental em curso e proteger os direitos indígenas na região. O mundo estará acompanhando de perto os desenvolvimentos desta parceria.

O BRICS Policy Center não respondeu a um pedido de entrevista.


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Fonte: Canary

Eleições/2024 em Campos com cara que caminham para WO. Mas também com essa oposição….

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Por Douglas Barreto da Mata

O ciclo de poder instalado em 1989, no movimento político denominado Muda Campos parece ter reciclado suas forças e seu apetite por hegemonia, certo? Mais ou menos.Na verdade, aquele grupo político amplo, um arco de alianças de forças anti oligárquicas, naquele momento representado pelo usurpador Zezé Barbosa, não é o mesmo que hoje ocupa a prefeitura da cidade e se candidata a novo mandato.

Primeiro uma explicação para o adjetivo a Zezé Barbosa. Sua chegada ao comando do executivo local se deu como um golpe, uma usurpação promovida graças às mudanças antidemocráticas promulgadas pelos gorilas de 1964, quando o mais votado, José Alves de Azevedo, PTB, não foi empossado.

O resto é  história, banquinhos de praça, Jaqueira, triturador e ruas calçadas apenas  onde só moravam aliados.

Pois bem, voltando ao tema, parece que desde a criação do grupo Muda Campos, depois convertido no garotismo, personificado naquele que foi seu expoente máximo até aqui, não houve na planície grupo político que enfrentasse ou ameaçasse a hegemonia do time da Lapa.

Mesmo os opositores que chegaram a ocupar a prefeitura, por eleição e/ou impedimento dos mandatários, sejam Carlos Alberto Campista, Mocaiber, Arnaldo, Roberto Henriques, etc, todos eles derivam da matriz garotista. Isso é fato.

Não houve movimento político original de enfrentamento, salvo a tragédia Rafael Diniz, por ironia, neto de Zezé Barbosa, ele mesmo, o oligarca usurpador.

No entanto, o quadriênio de Rafael é um momento único da conjuntura: Lava jato reproduzida na planície, turbinada pelos impulsionamentos de redes sociais, até então uma novidade, e a coesão de sempre da mídia comercial anti garotista.Tudo isso junto para criminalizar e explorar ao máximo as intempéries do ex-governador e seus correligionários.

A devassa patrocinada pela inquisição goytacá parecia ter sepultado o grupo garotista, e aberto uma janela histórica para todos os setores do anti garotismo, desde os nanicos do PT até os setores ultra conservadores de sempre, que apesar de terem sido sempre contemplados pelo garotismo, sempre odiaram seu viés popular.

A administração Rafael Diniz foi um desastre, que somado à pandemia, colocou a cidade de joelhos. O desmonte da rede social de apoio aos mais pobres,  destruição dos equipamentos públicos de serviços, em meio ao caos humanitário, e enfim, a diminuição de receitas, criaram a tempestade perfeita.

Resultado?  vO segundo turno da eleição de 2020 teve o embate entre os dois herdeiros do garotismo, mesmo que separados, na época (hoje novamente juntos), por circunstâncias pessoais dos seus líderes.

Rafael e o movimento que ele representava foram colocados no lixo da história, apesar de que o conservadorismo embutido tanto no time de Rafael, quanto de Caio ou Wladimir seja quase comum a todos eles.

A desastrosa administração de Rafael foi a principal força para eleição do atual prefeito.  Mas não é só isso.  A oposição, ou pelo menos, aqueles que reivindicam essa condição, não se desvencilhou dos efeitos desse péssimo governo, e seguem agindo como se estivessem em 2016.  Nenhum deles entendeu o momento histórico e a capacidade de renovação proporcionada pelo atual prefeito, quando estabeleceu uma forma de interlocução diferente de seu pai, o ex governador.

Rafael foi abatido porque governou olhando para o retrovisor, com o objetivo de apagar as marcas do garotismo, sem, no entanto, oferecer algo mais promissor que o arrocho fiscal dedicado a retirar, ainda mais, dos pobres para dar aos ricos.  Austericídio é o que Rafael Diniz cometeu.

A oposição de hoje não sugere que tenha aprendido nada como 2016 e 2020.  Tudo indica que o prefeito Wladimir Garotinho se reeleja com mais de 70 % dos votos válidos e consiga ganhar em todas as seções eleitorais.  E isso não só porque ele tem qualidades, ele tem. É porque a oposição é muito ruim, e não disse até agora a que veio.

Na lama, as pegadas da boiada

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Chuva inundou ruas de Canoas (RS) | Foto: Foto: Ricardo Stuckert / PR

Por Fernando Molica para o “Correio da Manhã” 

É necessário apurar se decisões do governador gaúcho, Eduardo Leite (PSDB), ajudaram a agravar o tamanho da tragédia que ocorre no estado, mas ele agiu respaldado por boa parte da sociedade local.

Sua nova eleição para o governo ocorreu quase três anos depois de ele sancionar as 480 mudanças no Código Ambiental que, entre outros pontos, amenizaram exigências para o licenciamento de novas atividades econômicas, criaram até um autolicenciamento.

O projeto de lei que, em setembro de 2019, ele, em regime de urgência, enviou para a Assembleia Legislativa com a redação do novo código foi aprovado menos de três meses depois com uma confortável maioria de 37 votos a 11.

A grita de ambientalistas contra a proposta foi grande, mas não adiantou. Francisco Milanez, então presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), classificou o projeto de “desestruturante, destruidor e prostituinte”. Várias entidades assinaram um documento em que criticavam o projeto.

A Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul, porém, elogiou as mudanças. Afirmou que a nova lei trazia “clareza e segurança jurídica evitando a subjetividade, o que no modelo anterior deixava margem para amplas interpretações e conflitos com normas nacionais”. Frisou que a atualização do código contribuia para “a desburocratização do processo de licenciamento ambiental visando torná-lo mais ágil”. 

Em 2018, o programa de governo de Leite para a questão ambiental priorizava a ligação do tema com o desenvolvimento econômico. Falava que inovar na na área ambiental era “dar agilidade e eficiência nos processos de licenciamento; instituir mecanismos e regras mais claras para que o empreendedor saiba exatamente o que precisa fazer e onde poderá desenvolver seu negócio”.

Seu adversário no segundo turno, o então governador José Ivo Sartori (MDB), foi na mesma linha: disse que seu objetivo era “aliar desenvolvimento e cuidado com meio ambiente”. Destacou que havia reduzido o tempo de concessão de licenças, “seguindo rigorosamente a legislação ambiental”.

Quatro anos depois, Leite, em seu programa entregue à Justiça Eleitoral, elogiou as mudanças feitas no Código Ambiental, citou de maneira genérica a necessidade de atualização de “instrumentos de mapeamento e monitoramento das sensibilidades ambientais”. Ressaltou a necessidade de combate à seca que comprometia a agricultura, mas não tratou de enchentes.

Onyx Lorenzoni (PL), que seria derrotado por Leite no segundo turno, foi ainda mais econômico ao tratar do tema. O material que pode ser visto no site do Tribunal Superior Eleitoral afirma que o produtor brasileiro “é o que mais preserva no mundo”. Afirmou que iria “valorizar, incentivar, respeitar e ouvir quem produz, invertendo a lógica dominante nas últimas décadas”.

É compreensível que num estado tão dependente da agropecuária — responsável por 40% do PIB gaúcho —, a preservação do meio ambiente possa ser, em alguns momentos, vista como inimiga do desenvolvimento. Cabe, porém, aos políticos mostrarem o risco representado pela falta de cuidados com a terra. A enchente que maltrata os gaúchos e comove o país indica que a lama ser vista depois que as águas baixarem apresentará pegadas da boiada criada pela legislação.

Pesquisa divulgada ontem pela Quaest mostra que, para 99% da população brasileira, as mudanças climáticas são em parte ou totalmente ligadas às enchentes. É bom que negacionismo seja golpeado, mas é uma pena que isso só tenha ocorrido depois de algo tão trágico. A enchente vai acabar, a vida, de um jeito ou de outro, será retomada no Rio Grande do Sul, mas a memória da catástrofe precisa ficar viva, até para tantos erros sejam corrigidos.


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Fonte: Correio da Manhã

Em meio ao caos no RS, bancada ruralista et caterva avançam pacote da destruição ambiental no congresso nacional

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Em meio aos caos criado pelas chuvas que se abateram pelo RS, em uma prova cabal de que as mudanças climáticas chegaram para ficar, a bancada ruralista e seus aliados no congresso nacional continuou avançando com o seu pacote da destruição ambiental, gerando liberações que irão aprofundar os problemas associados a eventos climáticos extremos. Me arrisco a dizer que se a bancada ruralista não for parada, o que vemos hoje no RS é apenas uma espécie de trailer do que acontecerá no resto do Brasil nos próximos anos e décadas.

Os exemplos de uma verdadeira blitz contra o meio ambiente foram abundantes. Por exemplo, na última 4a. feira (08/5), a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei (PL) 1366/22 que exclui a silvicultura (cultivo de árvores com fins comerciais, como pinhos e eucaliptos) do rol de atividades potencialmente poluidoras.  A partir dessa mudança na lei da Política Nacional do Meio Ambiente, a atividade de plantio de monoculturas de árvores para extração de celulose (pinhos e eucaliptos, por exemplo) não precisará mais de licenciamento ambiental e não estará sujeita ao pagamento da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TFCA). Com isso, certamente o aumento do desmatamento de florestas nativas, o deslocamento ou diminuição das áreas alocadas para o plantio de alimentos, e, certamente, o uso de agrotóxicos.

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E falando no uso de agrotóxicos, no dia seguinte, o Congresso Nacional iniciou com sucesso a derrubada 8 dos 17 vetos ao Pacote do Veneno (Lei nº 14.785/2023), enfraquecendo ainda mais a legislação brasileira de agrotóxicos. Os demais 9 vetos serão analisados no dia 28/5 e deverão também ser derrubados, o que ampliará o descontrole no uso de agrotóxicos, e ampliará a distribuição de produtos que causam múltiplas doenças, incluindo diversos tipos de câncer.  O Pacote do Veneno enfraquece a competência da Anvisa e do Ibama, deixando o Ministério da Agricultura (MAPA) na função exclusiva de coordenar o processo de reanálise de riscos de agrotóxicos e a possibilidade da concessão do registro provisório de produtos à base de ingrediente ativo em reanálise, ofendendo-se o princípio de precaução.

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Mas a cereja do bolo envenenado da bancada ruralista ainda está sendo discutida, e deverá ser facilmente aprovada no Senado Federal. Falo aqui do PL 3334/23 cuja aprovação permitirá a redução da reserva legal de 80% para 50% em municípios amazônicos cujos territórios sejam mais da metade ocupados por áreas protegidas.  Esse texto visa claramente duas coisas: 1) legalizar desmatamentos cometidos ao arrepio da lei, e 2) ampliar o escopo do que seria “desmatamento legal”, o que irá contribuir, entre outras coisas, para o aquecimento da atmosfera da Terra.

Há ainda que se observar que essa ofensiva ainda não acabou, pois existem outras legislações que estão sendo encaminhadas para enfraquecer as proteções ambientais brasileiras, a despeito das crescentes evidências que o nosso país se tornou um dos epicentros da crise climática global.  O problema é que a bancada ruralista está pouco lixando para essa crise e suas consequências para a maioria da população brasileira que vê aturdida o que está acontecendo no RS neste momento.

E o governo Lula neste história de horrores promovida pela bancada ruralista?

O agro não está à venda', diz liderança da bancada ruralista após Lula  anunciar o Plano Safra – Política – CartaCapital

Uma coisa que salta aos olhos neste momento é a passividade do governo Lula em face dos ataques da bancada ruralista às proteções ambientais.  As votações sempre se dão por ampla margem, com partidos da base do governo Lula votando em massa nessas legislações, sem que haja qualquer temor de que perderão ministérios e a gorda camada de cargos que possuem na Esplanada dos Ministérios e alhures.

Os defensores do governo Lula sempre dizem que esse é um governo de minoria no congresso, e que perder essas votações é meio que parte do jogo de se manter a tal da governabilidade. Essa é uma falácia, pois o presidente Lula pode ter sido eleito com minoria no congresso nacional, mas operou alianças (muitas delas questionáveis) para aprovar matérias de seu interesse, como foi o caso do famigerado “Novo Teto de Gastos”.  

A verdade é que o presidente Lula até faz acenos externos no sentido de um compromisso com as causas ambientais, mas no plano interno a coisa é bem diferente, sendo o governo de composição que ele criou parte intrínseca do desmanche que está sendo operado pela bancada ruralista.

Por exemplo no caso do Pacote do Veneno, bastaria o presidente Lula sinalizar que iria retirar o ministro ruralista Carlos Fávaro e substituí-lo por alguém comprometido com a agricultura familiar para que a bancada ruralista repensasse sua posição de tornar o Ministério da Agricultura o único responsável pela liberação de agrotóxicos.  Mas obviamente isso não aconteceu e nem acontecerá, pois a lógica do governo Lula é de abraçar o latifúndio agro-exportador e não os agricultores familiares que são responsáveis por colocar comida na mesa dos brasileiros.

Há ainda que se notar o silêncio sepulcral da ministra Marina Silva em relação a esse ataque generalizado às leis ambientais.  Se fosse em outro momento, é provável que ela já tivesse pedido o boné e se mandado para cuidar das causas ambientais ao seu jeito, agora Marina parece satisfeita em posar como musa das causas climáticas enquanto a casa na cabeça de milhares de gaúchos.

Mas uma coisa é certa, a resistência necessária aos projetos de flexibilização (mas pode chamar de destruição) da bancada ruralista não está dentro do governo Lula ou na sua bancada no congresso nacional.  

 

Folha de São Paulo adota discurso privatista e depreciativo sobre educação pública

Pesquisadora analisou mais de mil textos sobre ensino básico publicados em jornal paulistano

Escola-Estadual-Dom-Joao-NeryAlunos em pátio da Escola Estadual Dom João Nery, em Campinas: de acordo com o estudo, desqualificação do ensino público foi recorrente nos texto analisado 

Por Adriana Vilar de Menezes, e fotos por Antoninho Perri | Antonio Scarpinetti para o Jornal da UNICAMP

Ao analisar 1.197 artigos de opinião e 145 editoriais publicados pelo jornal Folha de S.Paulo entre 2005 e 2020, a pesquisadora Thais Rodrigues Marin se surpreendeu: encontrou nos textos uma postura reiterada de desqualificação do sistema brasileiro de educação pública, em ataques que atingiram também os professores dessa rede. A pesquisadora já esperava, por conta do recorte que fez para realizar seu doutorado, na Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, deparar-se com essa insistente narrativa privatista. Marin, contudo, não previu o tom dos textos, um dos elementos a confirmar sua conclusão sobre o papel da grande imprensa brasileira na disseminação desse discurso em relação à educação básica no país.

A pesquisadora Thais Rodrigues Marin: localizando o “discurso da privatização da educação básica”

Grupo mapeia atores privados

“No âmbito da produção científica, a contraposição às narrativas privatistas da educação pode e deve ser feita por meio da realização de pesquisas com densidade teórica e empírica, como a de Thaís Marin”, afirma Adrião. A pesquisa indicou haver um discurso hegemônico sobre a privatização, diz a professora. E esse é o tema central dos trabalhos realizados pelo Greppe, grupo que inclui docentes, pesquisadores, estudantes de graduação e pós-graduação e educadores de três universidades públicas: Unicamp, Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Foto da professora Theresa Maria de Freitas Adrião
A professora Theresa Maria de Freitas Adrião, coordenadora do Greppe: por um “jornalismo mais informado e menos ideológico”

O Greppe dispõe de levantamentos e mapeamentos de todo o Brasil sobre as políticas estaduais de educação e a ingerência de atores privados nessas políticas, especialmente a partir de 2005, depois da Lei de Responsabilidade Fiscal de 2000 – 2001. A partir dessa lei, ficou estabelecido um limite de até 60% dos gastos dos governos estaduais com as folhas salariais, o que comprometeu políticas para a educação pública, favoreceu a transferência de atividades estatais para o setor privado e limitou os investimentos na valorização de profissionais da educação. As pesquisas do Greppe indicam que organizações privadas responsáveis por disseminar o discurso de desqualificação da escola pública influenciam as políticas educacionais das redes estaduais e municipais de ensino, dificultando a construção de uma política educacional focada no ensino público de qualidade.

Segundo a análise de Adrião, nos últimos anos houve um acirramento do reacionarismo. “O que é estatal e tem caráter universal, ou seja, o que é democrático e não discriminatório, como é a concepção de educação pública no Brasil, passou a ser desqualificado.” A docente também acredita ser importante que as universidades e as instituições científicas divulguem suas pesquisas e disputem pautas junto aos meios de comunicação de massa. “É preciso que haja uma ampliação da presença de pesquisadores como fontes para um jornalismo mais informado e menos ideológico”, defende a professora.

Além da formação de pesquisadores, o Greppe também atua junto a entidades da sociedade civil vinculadas à defesa da educação pública e à difusão do conhecimento científico construído com base em pesquisas. Em 2019, o grupo criou a Rede Latino-Americana e Africana de Pesquisadores em Privatização da Educação (Relaappe), entidade que hoje coordena.


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Fonte: Jornal da UNICAMP

Enquanto Brasil vive tragédia climática, bancada ruralista derruba vetos à nova lei de agrotóxicos

8 dos 17 vetos ao Pacote do Veneno foram derrubados na quinta-feira (9); ONGs vão acionar STF para barrar a nova lei

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Ativistas do Greenpeace protestam, em frente ao Congresso Nacional, em Brasília, contra o Pacote do Veneno, que autorizando mais substâncias tóxicas, inclusive cancerígenas

Por Andressa Santa Cruz para o Greenpeace

O cenário é sem surpresa, mas segue revoltante. Enquanto o Brasil enfrenta uma das piores tragédias climáticas de sua história, a bancada ruralista conseguiu derrubar 8 dos 17 vetos ao Pacote do Veneno (Lei nº 14.785/2023), na última quinta-feira (9), enfraquecendo ainda mais a legislação brasileira de agrotóxicos. Para barrar essa medida, organizações e movimentos sociais vão recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF). 

Essa nova lei do Pacote do Veneno (com os vetos presidenciais ou não) é um dos maiores retrocessos ambientais que já vimos no paísmas ver ontem esse número altíssimo de parlamentares se posicionarem contra Ibama e Anvisa – e não reconhecerem sua importância – foi de indignar!”, enfatiza Vanessa Pedroza, porta-voz do Greenpeace Brasil. “Agora, esses órgãos perdem totalmente o protagonismo técnico de análise ecotoxicológica e ambiental, enquanto o MAPA faz a festa junto com a bancada ruralista.” 

Mais de 400 parlamentares votaram pela derrubada dos vetos contra 103 que votaram pela sua manutenção (4 senadores e 99 deputados) – veja a lista completa de votos aqui. Ainda falta a análise de 9 vetos, que foi agendada para 28/05. 

Prejuízos da lei do Pacote do Veneno

O Pacote do Veneno foi aprovado no fim do ano passado, tornando-se lei, e foi sancionado com 17 dispositivos vetados pelo presidente Lula – oito foram derrubados ontem, em resumo: 

  • Enfraquece a competência da Anvisa e do Ibama, deixando o Ministério da Agricultura (MAPA) na função exclusiva de coordenar o processo de reanálise de riscos de agrotóxicos;
  • Autoriza registro provisório de produtos à base de ingrediente ativo em reanálise, ofendendo-se o princípio de precaução. O veto evitaria a exposição humanitária e ambiental aos agrotóxicos.

Esses vetos, todavia, não resolviam pontos graves, como a possibilidade do registro de substâncias comprovadamente cancerígenas e que ameaçam a biodiversidade. 

Pacote do Veneno no STF
A tragédia em curso no Rio Grande do Sul, que já atingiu mais de 1 milhão de pessoas, com mais de 100 mortos e desaparecidos, é mais um sinal grave e urgente de que precisamos nos ajustar à nova realidade climática. 

O Brasil já é o país que mais usa agrotóxicos no mundo e a nova lei do Pacote do Veneno agrava essa realidade, autorizando mais substâncias que poluem e contaminam o meio ambiente, causando doenças e danos irreparáveis. Ela viola preceitos básicos da Constituição Federal, como direito à vida, à saúde e ao meio ambiente equilibrado. 

Agora, organizações e movimentos, como o Greenpeace Brasil e a Campanha Permanente contra Agrotóxicos, vão questionar o Pacote do Veneno no STF, para que sua inconstitucionalidade seja reconhecida e a lei seja derrubada.

Agroecologia é solução
“Diante da fome e da crise climática, já existe uma solução ancestral: a agroecologia”, explica Vanessa Pedroza. “Diversos estudos científicos já comprovam os riscos e impactos irreversíveis dos agrotóxicos  e sabemos que o uso desses venenos não é necessário. Pelo contrário! Precisamos transitar para um sistema alimentar e agrícola justo e ecológico.”

Por isso, precisamos seguir vigilantes para que os interesses do agronegócio não sobreponham o bem-estar de todos nós, ou então estaremos fadados a enfrentar tragédias climáticas cada vez piores. 


Fonte: Greenpeace

Na contramão da ciência

“Até quando a política e a economia estarão de costas para a sociedade e o meio ambiente?”

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Enchente do Rio Taquari na cidade de Lajeado (RS). Foto: marcelocaumors/Instagram

Por Andrea Zhouri & Edna Castro para o “Jornal da Ciência”

As enchentes catastróficas no Rio Grande do Sul chocam o Brasil. A crise instalada, cuja magnitude destrutiva não encontra precedentes na história, não é, contudo, um incidente inesperado. Ao contrário, os desastres ambientais deflagrados por eventos climáticos extremos já são uma realidade recorrente no país e revelam sua dimensão estrutural. Desde os anos 70, pelo menos, cientistas no mundo todo têm advertido sobre as mudanças climáticas, agora tratadas como emergências ou urgências. A receptividade dos alertas no meio político e das elites econômicas tem sido pífia ao longo de décadas. Entre o negacionismo e as supostas soluções apresentadas a partir da lógica neoliberal, a exemplo do mercado de carbono, prevalecem as opções macroeconômicas e neodesenvolvimentistas que apostam na exportação de commodities agrícolas e minerárias como uma espécie de consenso míope e macabro.

Os discursos que apelam para dimensões universalistas do problema, como por exemplo, a “falha da humanidade”, prestam desserviço à sociedade ao desviarem o foco dos aspectos tangíveis da questão, que são políticos e econômicos. Políticas de redução do desmatamento são ineficientes se não forem pensadas de forma integrada aos demais processos associados ao modelo econômico que exaure as energias do planeta. A redução do desmatamento como freio das mudanças climáticas é incompatível com as políticas que alimentam a obsessão de agentes econômicos pela apropriação de terra e recursos naturais para a acumulação de riqueza abstrata.

Enquanto o presidente Lula cobra dos países desenvolvidos os 100 milhões de dólares prometidos em 2009 para as ações de adaptação climática, as escolhas econômicas do governo continuam de costas para os problemas estruturais que provocam os eventos climáticos extremos. Cabe lembrar as incertezas que acompanham as boas intenções de ações de mitigação e de adaptação climática, pois sabemos que nos eventos extremos ocorridos no Rio Grande do Sul, pouco teriam servido para reduzir os danos. É devastador assistir o rompimento de barragens construídas nos rios para geração de energia assim como o medo e a insegurança causada nas famílias pela iminência de novas rupturas. É razoável lembrar que a tecnologia disponível não teve força e eficácia para prevenir e segurar a lama e os rejeitos de minério em Mariana e Brumadinho. Essas observações nos parecem relevantes para que se encare de frente uma realidade que exige coragem e determinação de agentes da política e da economia à altura do mega problema que as elites mundiais produziram no seu afã de modernidade e enriquecimento.

A política é um campo do simbólico, de produção e profusão de discursos muitas vezes difíceis de decifrar ou de identificar seus eixos e contextos. A razão que subjaz interconecta poder e convencimento. A insistência na exploração de petróleo na Amazônia é caso exemplar. O ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira declarou, no início de abril, que o país deveria explorar petróleo e gás até atingir o IDH de países industrializados. Ora, tal declaração lembra o contexto da década de 70, quando o conceito de desenvolvimento sustentável nem existia e os governantes discursavam sobre primeiro crescer para depois distribuir a riqueza e proteger o meio ambiente. Nega-se a realidade da crise climática e ambiental e os conhecimentos científicos existentes há, no mínimo, 50 anos!  No Congresso Nacional, a questão é ainda pior. A flexibilização das leis ambientais, como a aprovação da nova lei geral do licenciamento, verdadeiro desmanche do arcabouço normativo, revela o quanto os políticos legislam de costas para a sociedade e para o meio ambiente.

Os efeitos das mudanças climáticas atravessaram o território brasileiro nos últimos anos, e isso não se pode mais ignorar. Em 2023, foram muitos os municípios em situação de emergência, com alagamentos, soterramentos, mortes e perdas na Bahia, em Minas Gerais, Goiás, Maranhão, Pará, Rio de Janeiro, Santa Catarina, São Paulo, Espirito Santo, Rio Grande do Sul, entre outros estados.

Como temos pesquisado, os desastres não são meramente naturais ou sociais, mas resultam da intercessão de escolhas econômicas, políticas e institucionais “mal adaptadas” ao meio ambiente e à sociedade. É certo que as consequências, ao longo da história, têm atingido primeiro os grupos sociais mais vulnerabilizados pelo processo de construção da sociedade nacional, populações periféricas, negras e etnicamente diferenciadas. Mas a conta chega para todos. É hora de dizer basta ao negacionismo e às políticas econômicas míopes e submissas à lógica da acumulação primitiva. O momento é o de repensar o modelo de desenvolvimento e reconhecer que o valor da natureza, que é vida humana e não-humana, é inegociável. Razão fundamental à recusa do desenvolvimentismo e dos consensos produzidos em torno de uma economia predatória e neoextrativista.

* Andréa Zhouri é presidente da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), e Edna Castro é presidente da Associação Brasileira de Sociologia (SBS).


Fonte: Jornal  da Ciência da SBPC

Diário de guerra: Maria Júlia tem medo de ser queimada viva pelos homens maus

No Assentamento Dorothy Stang, em Anapu, a violência persiste 19 anos após o assassinato da missionária: uma das estratégias da grilagem é atacar a escola, que já foi incendiada duas vezes, para dificultar a permanência na terra

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O medo de ser queimada viva não vem de nenhuma história de ficção. É da vida no Projeto de Assentamento Irmã Dorothy Stang, em Anapu, na Amazônia paraense. No dia 10 de janeiro, a Escola Municipal de Ensino Fundamental Paulo Anacleto foi incendiada tarde da noite. Como as casas ficam distantes da escola, não houve testemunha. Ninguém é capaz de identificar quem entrou na comunidade, sorrateiramente, e ateou o fogo. Do lugar onde Maria Júlia guarda lembranças de brincadeiras com os amigos, não sobrou quase nada. A escola, de 6 metros quadrados, foi feita de palha e talo de coco, num mutirão da comunidade, o que facilitou a propagação das chamas.

 

Ataque em dois atos: a escola municipal paulo anacleto foi queimada em 2022 e em 2024, num gesto de violência para impedir a fixação na Terra

Os desenhos das crianças, que ficavam pendurados na parede de palha, viraram cinzas. No local, restaram apenas duas carteiras de madeira e duas de ferro. Um barracão, criado no mesmo espaço da escola para brincadeiras de pega-pega e esconde-esconde, desapareceu por completo. Apenas um banheiro de madeira, construído nos fundos, foi poupado da brutalidade. Um mês após o crime ainda era possível sentir o cheiro de queimado.

“Quem tem coragem de fazer isso com crianças?”, questiona Vanessa Vitoriano, de 32 anos, mãe de Maria Júlia. Ela sabe que o uso da violência é tática constante para aterrorizar as crianças e os moradores do Lote 96, onde está localizado o assentamento que leva o nome da missionária assassinada em 12 de fevereiro de 2005 no mesmo município. É a segunda vez que queimam a escola.

A vida no Projeto de Assentamento Dorothy Stang é uma batalha diária, mas o ataque à infância é uma estratégia recente. A escola é um dos principais espaços públicos para fixar uma comunidade no lugar e fortalecer os laços entre as famílias. Destruir a escola de forma recorrente é uma tática de expulsão. Mais uma. Foi também uma ameaça a seus filhos que levou a antiga liderança do Lote 96, Erasmo Theofilo, há três anos e meio no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), a deixar o território. “Não precisa mais se preocupar em morrer, porque não vamos te matar. Vamos só arrancar o teu coração” – foram as frases ditas num dos áudios com ameaças que Erasmo recebeu por WhatsApp. Segundo pessoas da região, “atingir o coração” é atingir os filhos.

O primeiro incêndio criminoso, que também destruiu a Escola Paulo Anacleto, ocorreu em 18 de julho de 2022. “Na primeira vez foi diferente, eles atearam fogo e deram tiros para o ar, para intimidar mesmo. Dessa vez ninguém viu, só encontramos a escola queimada”, lembra Vanessa. Ela conta que, em 2022, os moradores se reuniram e fizeram outra escola de palha e talo de coco em pouco mais de dez dias.

 

Resistência: há dois anos, quando a escola virou cinzas pela primeira vez, em dez dias a comunidade a reconstruiu com talos de coco e palha. Fotos: Erasmo Theofilo e Natalha Theofilo

Agora, após a reincidência da tragédia, a comunidade conseguiu a doação de 10 mil tijolos para reerguer outra escola, desta vez de alvenaria. Mas não bastará a força de vontade. Em reunião com a Promotoria de Justiça Agrária de Altamira, no dia 23 de janeiro, representantes do Ministério Público do Estado do Pará, em Anapu, relataram a decisão da prefeitura de não construir nem reformar a Escola Paulo Anacleto, alegando falta de recursos financeiros e número insuficiente de alunos matriculados – o mínimo deveria ser 25, e há somente 13. Os moradores fizeram um abaixo-assinado contra a decisão da prefeitura. No documento, afirmam que a Secretaria de Educação quer deslocar os alunos para a Escola Brasil Grande, que fica distante da comunidade – 15 quilômetros, segundo o Ministério Público. Até agora não tiveram nenhuma resposta do poder público.

“Como vamos mandar essas crianças tão pequenas em um carro com capacidade para dez pessoas, mas que leva 20, 25? Aceitar isso é mandar nossos filhos para morrer”, afirma Vanessa Vitoriano. Pai de Maria Júlia e de João Vitor, de 13 anos, o lavrador Agnaldo Costa Lima acrescenta que o veículo não é adequado: “Você já viu um pau de arara? Pois é, é um pau de arara que leva as crianças para a escola”.

Em mais um capítulo da resistência, os moradores levantaram uma escola improvisada de madeira em abril. A prefeitura disse informalmente, à comunidade, que a escola poderá voltar a funcionar em agosto. Mas, por enquanto, são apenas promessas. A prefeitura de Anapu não respondeu a questionamentos de SUMAÚMA sobre a situação da escola da comunidade.

Agnaldo chegou ao Lote 96 há 13 anos. Parou de estudar na antiga 8ª série do ensino fundamental [hoje é o 9º ano do Fundamental 2], após perder a mãe, aos 15 anos, e precisar trabalhar. “Não quero a vida que eu tive pra meus filhos. Como eu posso dar estudo para eles desse jeito? Ela quer ser doutora. Como?”, pergunta, entre lágrimas. No dia anterior, quando Maria Júlia brincava com o material escolar ainda intacto, a menina questionou Agnaldo: “Pai, eu vou ficar burra?”. Engasgado, ele só disse à filha: “De jeito nenhum”. Mas o medo é real. O ano letivo deveria ter começado no dia 5 de fevereiro, porém, até o momento, não há previsão para o início das aulas.

 

A vida sonhada: diante da violência, estudante desenha a esperança de uma criança que só quer frequentar a escola em segurança

Procuradas pela reportagem, nem a prefeitura de Anapu nem a Secretaria Municipal de Educação responderam aos questionamentos sobre a situação do ensino no assentamento. Somente quatro crianças começaram o ano letivo, em fevereiro, na Escola Brasil Grande. As demais seguem sem aulas e sem escola. As famílias optaram por aguardar uma posição da administração municipal e pressionam para que seja refeita a Escola Paulo Anacleto no assentamento. A maioria das crianças está há quatro meses sem aulas.

A Polícia Civil abriu inquéritos para apurar os dois incêndios da escola. Afirma que há investigações em curso, mas até agora nenhum responsável foi apontado. A polícia não respondeu ao e-mail de SUMAÚMA pedindo uma atualização sobre o caso.

Zona de guerra

Anapu é, de fato, uma zona de guerra, onde assentados e sem-terra à espera de reforma agrária são cotidianamente violentados e acuados, estratégica e sistematicamente privados de direitos até que desistam e abandonem o território. O município sempre será lembrado pelo assassinato da missionária Dorothy Stang, aos 73 anos, por pistoleiros, a mando dos fazendeiros Vitalmiro Bastos e Regivaldo Galvão. A mesma ganância que ceifou a vida de Dorothy faz com que se ateie fogo à escola de crianças.

Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), 29 pessoas foram assassinadas em Anapu de 2005 a 2023 em conflitos por terra. Entre 2006 e 2014, porém, não houve nenhuma morte – as execuções retornaram a partir de 2015, já no processo de crise do governo de Dilma Rousseff (PT), que levaria ao impeachment um ano depois e à Presidência de Michel Temer (MDB). Somente em 2023 foram seis assassinatos, que aparecem como conflitos pessoais porque ocorreram fora da área de assentamentos e ocupações. Mas, para a pastoral, estão ligados à luta pela terra. Matar as pessoas fora do território tem sido outra estratégia dos pistoleiros, afirmaram à reportagem integrantes da comissão. O relatório da CPT foi oficialmente divulgado em abril.

No assentamento, até fevereiro de 2024 os moradores estavam sem energia elétrica havia mais de um ano; as estradas são de chão de terra batida e, em alguns pontos, tão escorregadias no período de chuvas que parecem ser feitas de argila. Internet e luz são acessíveis somente àqueles que possuem placa de energia solar. Não há médico, e agora também existe o risco de não haver mais escola. O objetivo é explícito: impedir a permanência na terra dos que escolhem o Projeto de Assentamento Dorothy Stang como morada e seguem o legado da missionária.

 

Legado: morador acende uma vela no túmulo da missionária Dorothy Stang, assassinada com seis tiros em 2005, a mando de grileiros

Em 1º de julho de 2022, ainda no governo do extremista de direita Jair Bolsonaro (PL), a Superintendência Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no oeste do Pará criou o Projeto de Assentamento Dorothy Stang. A decisão só saiu por determinação da Justiça, provocada pelo Ministério Público Federal. A portaria do Incra estabelecia a criação de 73 unidades agrícolas familiares, exatamente o número de famílias do assentamento. Cinco dias depois, no entanto, a Diretoria de Desenvolvimento e Consolidação de Projetos de Assentamento, em Brasília, tornou sem efeito a portaria. A alegação oficial apresentada, à época, foi burocrática: a necessidade de “qualificar melhor o procedimento administrativo”.

Na verdade, o que ocorreu foi a paralisação política da reforma agrária no governo de extrema direita, “com queda drástica de orçamento e redução significativa de servidores”, como reconheceu a direção atual do Incra, em nota enviada a SUMAÚMA. “A partir do início de 2023, foram adotadas ações no sentido de reorganizar todo o funcionamento do órgão”, argumentam.

Um ano e sete meses depois, em 28 de fevereiro de 2024, foi publicada nova portaria, no Diário Oficial da União, assinada pela presidência do Incra, favorável à criação do assentamento. Finalmente o atual governo reconheceu o interesse social na área do Assentamento Dorothy Stang e regularizou a situação fundiária para reforma agrária. “As famílias assentadas no local estão aptas a acessar tanto políticas federais, como estaduais e municipais”, informou a assessoria do Incra.

 
Conquista: quase 20 anos depois da morte de dorothy stang, o assentamento foi reconhecido; memorial homenageia a irmã

O caminho para ter acesso a políticas públicas, no entanto, é penoso.
Em junho de 2023, a Equatorial Pará recebeu do Incra a lista de moradores do assentamento que estão regularizados e, portanto, passíveis de ligação elétrica em suas casas. Com os dados em mãos, o projeto para instalar energia no Dorothy Stang teve licenciamento ambiental deferido apenas em janeiro de 2024. “A obra está em trâmite de execução e possui previsão de atendimento até julho de 2024”, informou a empresa por meio de nota enviada a SUMAÚMA. Desde 2020 os moradores esperam pelo Programa Luz para Todos, criado no primeiro governo Lula, em 2003, para atendimento de famílias em áreas rurais. Até o início de maio, apenas 17 famílias tinham conseguido o acesso à energia.

Mesmo com o reconhecimento legal do assentamento pelo governo federal, para as pessoas que permanecem privadas de políticas públicas não há outra escolha a não ser lutar. Os “homens maus” responsáveis pela atrocidade de atear fogo à escola já repetiram o método com dezenas de famílias nos últimos dois anos. “A primeira vez que atearam fogo aqui foi na casa de uma senhora. Depois disso, ela foi embora, passou um ano fazendo tratamento para depressão, mas agora voltou ao território”, conta uma pessoa que pediu sigilo sobre a sua identidade. “Só registramos boletim de ocorrência dos dois incêndios da escola e de quatro casas de moradores, mas já perdemos as contas [de quantos ataques ocorreram].”

O Ministério Público Federal informou a SUMAÚMA que a investigação sobre o incêndio da escola tramita sob sigilo. A instituição solicitou a presença da Delegacia de Conflitos Agrários (Deca) no local assim que soube dos fatos, o que ocorreu dias depois. Quanto às constantes violações de direitos humanos no assentamento, o MPF afirma que tem acompanhado a situação para analisar se os direitos constitucionais dos moradores estão sendo desrespeitados.

Um espaço de luta que abriga flores

No local marcado pela impunidade, é fácil entender as razões pelas quais a pequena Ana Clara, de 6 anos, sonha em ser policial. A menina, de pele negra e cabelos encaracolados, diz que “quando for grande” quer prender bandidos que roubam e ateiam fogo à escola de crianças. “Quando eu for policial, eles vão passar meses presos”, garante.

‘Até onde for preciso’: Raimunda Silva, mãe da pequena ana Clara, plantou flores no assentamento e promete lutar pelo direito da filha à educação

A família de Ana Clara vive em uma casa de madeira, de chão de cimento queimado, rodeada por flores que, na região, são chamadas de maria-sem-vergonha. Raimunda Soares da Silva, de 42 anos, mãe de criação de Ana Clara, conta que antes de chegar ao assentamento morava na Vila Gelado, no município de Novo Repartimento, também no Pará. De lá, além da família, trouxe várias mudas de flores, que hoje dão cor a um lugar repleto de cinzas. “Meu irmão morou aqui anos antes de mim e lembro de terem queimado a casa dele. Ele saiu um dia para pegar um açaí e na volta tudo estava incendiado.” A tragédia não impediu Raimunda de sonhar com o futuro da família no assentamento. Mas no momento o que a preocupa é o futuro de Ana Clara – e ela diz que vai “até onde for preciso” para garantir a educação da menina.

A Escola Paulo Anacleto, como tudo no assentamento, foi conquistada com muita luta. Lá estudavam 13 alunos de 4 a 12 anos, da educação infantil até o 6º ano do ensino fundamental. Até dezembro de 2019, porém, a maior parte das crianças da comunidade não estudava, porque a escola mais perto fica a 15 quilômetros – um trajeto de terra batida com lama e buracos, intrafegável em muitos trechos. No dia 27 daquele mês, o morador Paulo Anacleto finalizou a primeira reunião oficial para tratar da criação da escola. Ele fez o levantamento das famílias que tinham crianças e, com esses dados, formulou um documento, levado ao Ministério Público do Estado do Pará, em Anapu, pedindo à prefeitura a criação de uma instituição de ensino.

 

Antes do Fogo: dia de aula normal no assentamento, Em 2022. Foto: Mídia Ninja

Quem lembra da história é Erasmo Theofilo, liderança aguerrida do Lote 96. “Esse foi o início do processo de criação da escola. Na sequência, ele foi assassinado”, conta. Paulo Anacleto foi morto naquele dezembro de 2019, data do início do processo de exílio de Erasmo, sua companheira, Natalha, e seus cinco filhos. Ameaçados, eles tiveram que deixar o assentamento. O nome da escola foi uma forma de homenagear o companheiro que tombou. A morte de Paulo ocorreu cinco dias depois que outro líder da comunidade, Márcio Rodrigues dos Reis, foi assassinado com uma facada na garganta para mostrar que “falava demais”.

Em 7 de dezembro de 2020, Erasmo foi colocado no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH). Hoje ele e a família vivem num exílio forçado, mas seguem na luta, pedindo ao Estado por mudanças que possam de fato proteger e assegurar uma vida íntegra a defensores. O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania não respondeu a SUMAÚMA sobre a revisão do programa e as violações de direitos em Anapu.

‘Se aparecer alguém, vocês correm’

O estado de alerta no Assentamento Dorothy Stang é constante, e não é algo restrito aos adultos. João Paulo, de 5 anos, é um menino risonho e falante. Ele é uma das crianças que vão para a escola a pé, na companhia do irmão mais velho, Pedro, de 9 anos. Todos os dias os dois disputam corridas pelo caminho. A brincadeira ajuda a executar com êxito o que aprenderam na escola: “A professora disse que, se algo acontecer, é pra gente correr. Coitado do João Paulo, porque ele corre muito devagar”, lamenta o mais velho.

 

Numa folha qualquer: nos desenhos das crianças do assentamento, a Escola Paulo Anacleto continua a existir, com sol, arco-íris, pássaros, chuva e até girafa

A mãe dos meninos, a lavradora Adenise Alencar, de 46 anos, conversa sempre com eles sobre os perigos que podem surgir no caminho. Além do clássico “não falem com estranhos”, ela alerta as crianças de que não devem brincar com o gado. O avanço da pecuária na região se tornou um perigo para os pequenos. Com a presença de bois nos arredores da escola, os pais, preocupados, construíram um banheiro de madeira para as crianças não se arriscarem no mato.

A resistência e a coragem das crianças do assentamento, que mesmo diante das cinzas ainda enxergam um futuro, também são fruto da dedicação e do esforço da professora. Por razões de segurança, a comunidade protege a identidade da educadora, que está bastante abalada e evita entrevistas após o mais recente incêndio criminoso.

Hoje, a Escola Paulo Anacleto existe apenas na memória e nos desenhos das crianças. SUMAÚMA pediu aos alunos que representassem, no papel, seus sentimentos. No traçado de Maria Júlia, a escola segue intacta, e o teto está cercado por um arco-íris. Ana Clara fez questão de colocar passarinhos azuis no espaço que, na vida real, foi queimado. No desenho de João Paulo, a sala de aula ainda é um esboço, como se o menino não se lembrasse mais do que havia ali antes do fogo. A Escola Municipal de Ensino Fundamental Paulo Anacleto vive no imaginário de todas essas crianças que, mesmo diante do horror, ainda teimam em sonhar.

 

O que ninguém vê: a resiliência das crianças é o que traz a certeza de futuro no assentamento, ainda que direitos sejam constantemente violados


Reportagem e texto: Catarina Barbosa
Edição: Malu Delgado e Eliane Brum
Edição de fotografia: Lela Beltrão
Checagem:
 Plínio Lopes

Revisão ortográfica (português): Valquíria Della Pozza
Tradução para o espanhol: Julieta Sueldo Boedo
Tradução para o inglês: Sarah J. Johnson
Montagem de página e acabamento: Natália Chagas
Coordenação de fluxo editorial: Viviane Zandonadi
Chefa de reportagem: 
Malu Delgado
Editora-chefa: 
Talita Bedinelli
Diretora de Redação: 
Eliane Brum


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Fonte: Sumaúma

Novo programa do CNPq pode atrair quem está no início de carreira fora do Brasil, mas diáspora não é homogênea

LabcriobiologiaPrograma “Conhecimento Brasil” do CNPq prevê 800 milhões para repatriação de pesquisadores, além de financiar cooperação entre cientistas atuantes no país e no exterior

Por Ana Maria Carneiro, Ana Maria Gimenez, Elizabeth Balbachevsky, Leonardo de Azevedo e Vinícius Ferreira

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Nas últimas semanas, o programa ‘Conhecimento Brasil’, apresentado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), tem sido intensamente debatido pela comunidade científica. Gostaríamos de acrescentar pontos ao debate a partir de dados de uma pesquisa de 2023 com 1200 pesquisadores da diáspora científica brasileira, vivendo em 42 países diferentes.

Além da “repatriação de pesquisadores”, com maior visibilidade pela alocação de recursos (cerca de 800 milhões do 1 bilhão de reais do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) para um período de 5 anos), o programa prevê recursos para a mobilização de membros da diáspora brasileira para atuar no país de forma temporária e para projetos de cooperação entre pesquisadores no Brasil e brasileiros no exterior. Nesse sentido, ele pode representar um passo importante na ressignificação da diáspora científica brasileira, alinhada a uma nova perspectiva sobre a circulação de cientistas para além das fronteiras nacionais, ultrapassando a visão limitada da “fuga de cérebros”.

Nosso survey apontou que não existe uma única diáspora científica brasileira no exterior, o que é importante para analisar a efetividade do programa. Além disso, mais de 70% dos participantes não têm uma previsão de retorno ao Brasil, especialmente sem oportunidades de emprego, mas se mostram dispostos a colaborar com a ciência nacional, apontando sugestões de políticas em três grandes eixos.

Para pesquisadores que desejam retornar ao Brasil, especialmente em início de carreira: carreiras acadêmicas mais atrativas, com melhor remuneração e maior oferta de vagas. Para esse grupo, a repatriação do programa do CNPq parece atender às expectativas.

Para promover colaboração entre os membros da diáspora e o sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) no Brasil: oportunidades de vínculo temporário ou dupla filiação institucional no país e no exterior; fomento para ações de mobilidade e cooperação entre a diáspora e pesquisadores no Brasil. Muitos desses brasileiros têm acesso a diferentes recursos no exterior, que podem beneficiar a CT&I brasileira. Para eles, dificilmente o componente de retorno ao país do programa irá interessar.

Dinamização do ambiente brasileiro, com mudanças que beneficiariam pesquisadores no exterior e no Brasil, como: ampliação de oportunidades de financiamento à pesquisa, apoio a projetos multicêntricos para parcerias de longa duração; planos de carreira mais flexíveis e aumento do número e do valor das bolsas.

Tais propostas, longe de aderir ou rechaçar imediatamente o programa ‘Conhecimento Brasil’, mostram que a situação é mais complexa do que parece. Mas um ponto importante a se destacar é que ele privilegia quem está fora do Brasil, com mais recursos e condições diferenciadas de financiamento. Além de não atacar o cerne da razão da saída de cientistas do país – falta de oportunidades e de condições mais favoráveis para se fazer ciência – também desconsidera que a circulação de pessoas é um fato incontornável do mundo contemporâneo, sobretudo no campo científico.

Especialistas afirmam que as políticas para a diáspora não serão efetivas se não fizerem parte de um conjunto mais amplo de políticas para o desenvolvimento científico, tecnológico, social e cultural de cada país. É essencial, portanto, fomentar um ambiente doméstico mais favorável à ciência, tornando-o mais convidativo, tanto para os que já atuam por aqui, quanto para os que porventura desejem atuar.

 

Sobre os autores

Ana Maria Carneiro é pesquisadora do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

Ana Maria Nunes Gimenez é pesquisadora do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT/IG/Unicamp) e INCT-PPED

Elizabeth Balbachevsky é pesquisadora do Departamento de Ciência Política, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP)

Leonardo Francisco de Azevedo é pesquisador do Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Vinicius Kauê Ferreira é pesquisador do Departamento de Ciências Sociais, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)


Fonte: Agência Bori

Arroz dourado geneticamente modificado é suspenso nas Filipinas: o engano do desenvolvimento e a política do progresso como ferramentas de dominação

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Por Sustainable Pulse

Em 19 de abril de 2024, a Suprema Corte das Filipinas emitiu uma  ordem de cessar e desistir da propagação comercial de arroz dourado geneticamente modificado (GM) e de uma espécie de berinjela geneticamente modificada no país, informou recentemente a Countercurrents .

 Stop Golden Rice Network afirma  que a decisão judicial é uma vitória para agricultores e consumidores em todo o mundo, uma vez que a decisão vai além do Arroz Dourado e da berinjela resistente à inseticida e abrange “qualquer aplicação para uso contido, testes de campo, uso direto como alimento ou ração ou processamento, uso comercial propagação e importação de OGM.”

O tribunal reconheceu que as agências governamentais e outros proponentes do arroz dourado e da berinjela geneticamente modificados “não apresentaram provas de segurança e conformidade com todos os requisitos legais”. A ordem permanece indefinida até que os proponentes dos OGM possam cumprir todas as etapas obrigatórias e fornecer provas concretas de que estes produtos são realmente seguros.

Uma rede de agricultores, consumidores e organizações da sociedade civil, a Stop Golden Rice enfatiza a necessidade de combater a fome e a desnutrição através da garantia do controlo dos pequenos agricultores sobre recursos como sementes, tecnologias apropriadas, água e terra.

O grupo de campanha diz:

“Acreditamos que as culturas geneticamente modificadas são impulsionadas principalmente pelos capitalistas monopolistas globais na alimentação e na agricultura… já existem provas irrevogáveis ​​do fracasso das culturas geneticamente modificadas e de como isso contribuiu para um maior endividamento, falhas nas colheitas, fome e perda de biodiversidade.”

Afirma que a decisão do tribunal mostra que as pessoas comuns podem prevalecer face ao poder corporativo.

A história do Arroz Dourado 

A deficiência de vitamina A é um problema em muitos países pobres do Sul Global e deixa milhões de pessoas em alto risco de infecção, doenças e outras doenças, como a cegueira.

A indústria agrotecnológica há muito que argumenta que o Arroz Dourado é uma forma prática de fornecer aos agricultores pobres em áreas remotas uma cultura de subsistência capaz de adicionar a tão necessária vitamina A às dietas locais. Os lobistas dizem que o Arroz Dourado, desenvolvido com financiamento da Fundação Rockefeller, poderia ajudar a salvar a vida de cerca de 670 mil crianças que morrem todos os anos por deficiência de vitamina A e de outras 350 mil que ficam cegas.

Tais alegações, no entanto, baseiam-se mais em distorções do que na realidade e, ao longo dos anos, os interesses por trás do Arroz Dourado não perderam tempo em atacar quem o questionasse.

Como Secretário do Ambiente da Grã-Bretanha em 2013, o agora desonrado  Owen Paterson afirmou  que os oponentes da GM estavam “lançando uma sombra negra sobre as tentativas de alimentar o mundo”. Ele apelou à rápida implantação do arroz enriquecido com vitamina A para ajudar a prevenir a causa de até um terço das mortes infantis no mundo. Ele alegou:

“É simplesmente nojento que crianças pequenas possam ficar cegas e morrer por causa do bloqueio de um pequeno número de pessoas em relação a esta tecnologia. Eu me sinto muito forte sobre isso. Acho que o que eles fazem é absolutamente perverso.”

No Twitter, Nick Cohen do The Observer concordou com seu apoio twittando:

“Não há maior exemplo de privilégio ocidental ignorante que causa miséria desnecessária do que a campanha contra o arroz dourado geneticamente modificado.”

A retórica dos defensores dos OGMs  adotou a linha de relações públicas bem desgastada e cinicamente concebida  de que os ativistas anti-GM e os ambientalistas são pouco mais do que pessoas privilegiadas e ricas que residem em países ricos e estão a negar aos pobres os supostos benefícios das culturas GM.

Apesar destas difamações e chantagem emocional, num artigo de 2016 na revista  Agriculture & Human Values,  Glenn Stone e Dominic Glover encontraram poucas provas de que os ativistas fossem culpados pelas promessas não cumpridas do Golden Rice.

Os pesquisadores ainda tiveram problemas para desenvolver cepas enriquecidas com beta-caroteno que produzissem tão bem quanto cepas não transgênicas já cultivadas pelos agricultores. Era questionável se o beta-caroteno do Arroz Dourado poderia ser convertido em vitamina A nos corpos de crianças gravemente desnutridas. Também houve pouca investigação sobre a eficácia do beta-caroteno no Arroz Dourado quando armazenado durante longos períodos entre as épocas de colheita ou quando cozinhado utilizando métodos tradicionais comuns em zonas rurais remotas.

Entretanto, Glenn Stone observou que, à medida que o desenvolvimento do Arroz Dourado avançava, as Filipinas conseguiram reduzir a incidência da deficiência de vitamina A através de métodos não-GM.

Então, quais interesses estavam realmente sendo atendidos na campanha pelo Arroz Dourado?

Em 2011, Marcia Ishii-Eiteman, cientista sênior com experiência em ecologia de insetos e manejo de pragas, respondeu a esta pergunta:

“Um chamado Conselho Humanitário de elite onde a Syngenta tem assento – juntamente com os inventores do Arroz Dourado, a Fundação Rockefeller, a USAID e especialistas em relações públicas e marketing, entre um punhado de outros. Nem um único agricultor, indígena ou mesmo ecologista ou sociólogo para avaliar as enormes implicações políticas, sociais e ecológicas desta experiência massiva. E o líder do projeto Golden Rice do IRRI não é outro senão Gerald Barry, ex-Diretor de Pesquisa da Monsanto.”

Sarojeni V Rengam, diretor executivo da Pesticide Action Network Asia and the Pacific, apelou aos doadores e cientistas envolvidos para acordarem e fazerem a coisa certa:

“O Golden Rice é realmente um ‘cavalo de Tróia’; um golpe de relações públicas realizado pelas corporações do agronegócio para obter aceitação de culturas e alimentos geneticamente modificados (GM)… dinheiro e esforços seriam mais bem gastos na restauração da biodiversidade natural e agrícola, em vez de destruí-la através da promoção de plantações de monoculturas e culturas alimentares geneticamente modificadas.”

Para combater as doenças, a subnutrição e a pobreza, é necessário primeiro compreender as causas subjacentes – ou mesmo querer compreendê-las.

O renomado acadêmico  Walden Bello observa  que o complexo de políticas que empurrou as Filipinas para um atoleiro económico ao longo das últimas décadas se deve ao “ajustamento estrutural” que incluiu a reestruturação da agricultura e da produção orientada para a exportação.

E essa reestruturação da economia agrária é algo abordado por Claire Robinson da GMWatch, que observa que os vegetais de folhas verdes costumavam ser cultivados em quintais, bem como em campos de arroz (arrozais) nas margens entre as valas inundadas onde o arroz crescia.

As valas também continham peixes, que comiam pragas. As pessoas tiveram assim acesso a arroz, vegetais de folhas verdes e peixe – uma dieta equilibrada que lhes proporcionou uma mistura saudável de nutrientes, incluindo bastante beta-caroteno.

Mas as culturas e os sistemas agrícolas indígenas foram substituídos por monoculturas dependentes de factores de produção químicos. Vegetais de folhas verdes foram eliminados com pesticidas, fertilizantes artificiais foram introduzidos e os peixes não puderam viver na água quimicamente contaminada resultante. Além disso, a diminuição do acesso à terra significou que muitas pessoas já não tinham quintais contendo vegetais de folhas verdes.

A cegueira nos países em desenvolvimento poderia ter sido erradicada há anos se apenas o dinheiro, a investigação e a publicidade investidos no Arroz Dourado ao longo dos últimos 20 anos tivessem sido canalizados para formas comprovadas de resolver a deficiência de vitamina A. Contudo, em vez de procurar soluções genuínas, o que temos visto é  uma atitude pró-OGM,  numa tentativa de encerrar o debate.

Tecnologia e desenvolvimento

Se a discussão até agora nos diz alguma coisa é que a tecnologia não é neutra. É desenvolvido e promovido por pessoas que pretendem consolidar o seu controlo sobre um sector e obter ganhos financeiros com a sua implementação.

Com demasiada frequência, os políticos, as empresas e os meios de comunicação social equiparam as novas tecnologias ao “progresso”. E aqueles que a questionam, como vemos no caso dos OGM, são chamados de luditas ou anti-ciência, a fim de impedir um debate adequado sobre as preocupações sociais, económicas e éticas da implementação de uma determinada tecnologia.

Veja a Revolução Verde, por exemplo. Não havia nada de progressista, inevitável ou neutro na sua tecnologia de sementes, produtos químicos e infra-estruturas relacionadas.

Apesar de ter sido implementado sob a bandeira do “progresso”, teve um desempenho inferior, foi explorador e teve impactos sociais, ecológicos e ambientais devastadores (ver os escritos de  Glenn Stone ,  Vandana Shiva  e  Bhaskar Save ). Serviu os interesses geopolíticos, financeiros e do agronegócio dos EUA e priorizou a expansão urbano-industrial em detrimento das comunidades rurais e de uma agricultura mais diversificada, saudável e suficiente em nutrientes.

Mas a Revolução Verde tornou-se parte integrante da agenda do “desenvolvimento”.

Em um artigo recente  no site Winter Oak, Paul Cudenec diz que “desenvolvimento”:

“… é a destruição da natureza, agora vista como um mero recurso a ser utilizado para o desenvolvimento ou como um espaço vazio e não desenvolvido no qual o desenvolvimento poderia, deveria e, em última análise, deveria ocorrer. É a destruição das comunidades humanas naturais, cuja auto-suficiência impede o avanço do desenvolvimento, e da cultura humana autêntica e dos valores tradicionais, que são incompatíveis com o dogma e o domínio do desenvolvimento.”

Cudenec argumenta que aqueles que estão por trás do “desenvolvimento” têm destruído tudo o que tem valor real no nosso mundo natural e nas nossas sociedades humanas na busca de riqueza e poder pessoal. Além disso, ocultaram este crime por trás de toda a retórica positiva associada ao desenvolvimento a todos os níveis.

Em nenhum lugar isso é mais aparente do que na Índia.

O Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio, o agronegócio global e o capital financeiro  estão trabalhando para corporatizar  o setor agrícola da Índia. Esta política e processo de “ajustamento estrutural” envolve a substituição do actual sistema de produção alimentar por uma agricultura contratual e um modelo industrial de agricultura e retalho alimentar que sirva os interesses acima mencionados.

O plano é deslocar o campesinato, criar um mercado fundiário e fundir propriedades fundiárias para formar explorações agrícolas maiores, mais adequadas aos investidores internacionais em terras e à agricultura industrial orientada para a exportação.

A exigência é que a Índia sacrifique os seus agricultores e a sua própria segurança alimentar em benefício de um punhado de multimilionários. Tudo isto é considerado “desenvolvimento”.

Envolve o Estado facilitando o enriquecimento de uma elite rica e privilegiando um certo modelo de desenvolvimento social e económico baseado na expansão urbana, no poder centralizado e na dependência das finanças globais, das empresas, dos mercados e das cadeias de abastecimento. Tudo legitimado sob as bandeiras da inovação, do progresso tecnológico e do “desenvolvimento”.

Existem outros caminhos que a humanidade pode seguir. O antropólogo Felix Padel e a pesquisadora Malvika Gupta  oferecem alguns insights  (com base em seu trabalho com as comunidades Adivasi da Índia) sobre como poderiam ser as soluções ou alternativas para o “desenvolvimento”:

“A democracia como política de consenso, em vez do modelo ocidental de democracia liberal que perpetua a divisão e a corrupção nos bastidores; troca de trabalho em vez da lógica implacável e anti-vida do “mercado”; a lei como reconciliação, em vez de julgamentos que dependem de honorários advocatícios exorbitantes e dividem as pessoas em vencedores e perdedores… e a aprendizagem como algo a ser partilhado, e não disputado.”

No entanto, vemos mais “desenvolvimento” a ser proposto: mais deslocamento da população rural e deslocação humana, mais desenvolvimentos mineiros, portuários e outros grandes desenvolvimentos de infra-estruturas e um maior fortalecimento dos interesses corporativos e dos seus projectos.

Embora muitos tenham uma visão diferente para o futuro, o interesse próprio e o consumismo sustentados pelo dogma económico neoliberal continuam a seduzir as massas a aceitarem a agenda de “desenvolvimento” prevalecente.

A agricultura industrial corporativa é parte integrante dessa agenda. Um modelo que se consolidou há meio século nas nações ocidentais e que resultou em alimentos deficientes em nutrientes, dietas mais restritas, uso massivo de agrotóxicos, alimentos contaminados por hormônios, esteróides, antibióticos e uma ampla gama de aditivos químicos, a erradicação de muitos pequenos agricultores, taxas crescentes de problemas de saúde, solo degradado e fontes de água contaminadas e esgotadas.

Isso é ‘progresso’? Bem, deixando de lado os interesses do agronegócio, talvez o mesmo aconteça com as muitas clínicas de saúde privadas que surgiram na Índia nos últimos anos.

A introdução dos OGM representa um reforço adicional da agenda de “desenvolvimento” prevalecente.

A decisão do Supremo Tribunal das Filipinas acusou as agências governamentais e aqueles que estão por trás da agenda do Arroz Dourado de falhas importantes. Isto é importante para a Índia, cujo Supremo Tribunal está prestes a decidir se deve ou não sancionar o cultivo comercial de mostarda geneticamente modificada. Seria a primeira cultura alimentar geneticamente modificada da Índia (da qual há muitas mais em preparação).

Será que o Supremo Tribunal da Índia ficará do lado da razão e acabará com a mostarda geneticamente modificada com base no facto de  não haver necessidade  de OGMs na agricultura indiana e na bem documentada  fraude e delinquência regulamentar  que tem rodeado esta questão há muitos anos?

Isso ainda está para ser visto.


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Fonte: Sustainable Pulse